domingo, 16 de maio de 2010

14 Congresso Internacional de Direito Ambiental - Instituto O Direito por Um Planeta Verde - 2010

 


 Homenagem ao Professor LEONARDO BOFF - A voz corajosa e suave da Ética Ambiental
"Queremos uma justiça social que combine com a justiça ecológica. Uma não existe sem a outra."
Leonardo Boff

Apresentei no V Congresso de Estudantes de Direito Ambiental (Pós-graduação) o paper, aprovado e publicado nos anais do 14 Congresso Internacional de Direito Ambiental:
"O diálogo das fontes em prol da Arbitragem Ambiental e consequente acesso à justiça para as comunidades locais amazônidas"
Liana Amin Lima da Silva
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Fontoura Costa

quinta-feira, 13 de maio de 2010

CULTURA COM ASPAS - Relato da palestra de Manuela Carneiro da Cunha

Uma oportunidade imperdível para os estudantes e pesquisadores que trabalham com a temática de  povos indígenas e conhecimentos tradicionais foi a palestra da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, ocorrida em Manaus, 08 de abril de 2010 no ICHL/UFAM.

"Manuela Carneiro da Cunha é considerada uma das mais importantes antropólogas da atualidade. Suas pesquisas marcaram profundamente a antropologia feita no Brasil e tiveram grande impacto político, ajudando, por exemplo, a consolidar, na Constituição de 1988, os artigos que tratam dos direitos dos índios à terra.  Dando continuidade à produção de mais de três décadas, Manuela lançou em 2009 o livro Cultura com aspas, que reúne artigos escritos em diferentes épocas e um texto inédito sobre a cultura, como entendida antropologicamente, e a “cultura”, como termo que tem sido apropriado por comunidades indígenas e tradicionais.  Professora aposentada da Universidade de Chicago (Estados Unidos) e integrante do Conselho de Administração do Musa, Manuela Carneiro foi cofundadora e primeira presidente da Comissão Pró-Índio de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Atualmente, suas pesquisas se voltam para o conhecimento tradicional e o direito intelectual das sociedades indígenas sobre esse conhecimento e para os mecanismos sociais responsáveis pela agrobiodiversidade no médio Rio Negro."       (Fonte: MUSA)

Na contra-capa do livro "Cultura com aspas",  Marshall Sahlins apresenta Manuela como "uma matemática que se tornou antrópologa, nascida em Portugal, educada na França e no Brasil, onde, depois de pesquisa de campo e de arquivo na Amazônia e na África Ocidental, assumiu altas posições acadêmicas, inclusive a Presidência da Associação Brasileira de Antropologia, para então se tornar professora durante quinze anos em uma universidade norte-americana altamente respeitada, Manuela Carneiro da Cunha fez do que chama de "interface" cultural - a mediação da alteridade - a obra de toda uma vida. Eu diria que essa mesma inclusão dialética é o fio condutor de sua extraordinária antropologia."

Na palestra, a Profa Manuela expôs sobre o uso reflexivo da noção de cultura (cultura com aspas) e a convivência mútua da noção invisível da cultura (sem aspas) e quais os efeitos dessa convivência. Também expôs sobre a Convenção da Diversidade Biológica (art. 8- J ), a "força moral" da ONU (CDB) , diferente  da "força real" que a OMC tem, através de sanções.  Falou sobre a discussão atual envolvendo as patentes e a  campanha internacional dos países megadiversos nesta direção. Também acrescentou a observação do problema interno no Brasil, se a legislação está realmente sendo aplicada, principalmente no que tange ao INPI.  
Sobre os conhecimentos tradicionais nas aldeias indígenas, a professora expôs sobre o caso emblemático e a histórica do "kampô",  iniciada a discussão com a carta que os Katukina (Acre) enviaram à então ministra Marina Silva, reivindicando seus direitos. Como vários grupos étnicos (do Brasil e Peru, países com legislações diferentes sobre o assunto) compartilhavam os conhecimentos sobre o uso do kampô (secreção de rã), como se fazer a possível repartição de benefícios deste conhecimento tradicional associado? Registra-se que  desde os anos 1990, muitas patentes ocorreram envolvendo a substância referida.
A professora mostra a dinâmica que está sendo induzida pela reflexividade da cultura e entre uma das consequências é a coletivização do que seria um direito privado de poucos. E com a ascenção dos conhecimentos tradicionais, os conhecimentos que estavam difusos, passam a ser reservados. 
Para a professora, "Cultura" é no sentido de metalinguagem, falar de si mesmo, sendo difícil distinguir a cultura com aspas e cultura sem aspas, pois há co-existência dos universos de discursos (o que não quer dizer que um é falso, ambos são verdadeiros), o que pode levar à contradições, como o paradoxo que não tem solução, pois é inerente à linguagem completa, que é capaz de falar de si mesma, ou seja, que é reflexiva. 
Uma das grandes contribuições da antrópologa para nossos estudos (me refiro aqui para os pesquisadores e operadores do direito, incluindo a produção legislativa), é mostrar que a idéia de que há coletivismo, de que tudo é coletivo nas sociedades indígenas está completamente enganada, "o sistema de direitos nas sociedades indígenas não é coletivo". 
Daí, nos leva a refletir sobre a questão dos direitos individuais e coletivos, principalmente no que concerne à propriedade intelectual. Nos mostra a dicotomia: 
propriedade intelectual coletiva ("cultura")  X domínio público (cultura)
E que trata-se de um "jogo justo", que as sociedades indígenas têm toda razão para jogar este jogo, defendendo a propriedade intelectual coletiva. 
Expõe também sobre as novas formas de representação (associação) para se ter "existência jurídica" e a questão da legitimidade da representação (e quando há várias associações, quem representa?), que, sobretudo, devemos considerar que há uma dinâmica das circunstâncias, e se tem legitimidade ou não, isso vai ser decidido internamente. Sublinha-se que a cultura é dinâmica e está em constante mudança. 

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Gostaria de citar aqui também, neste relato, algo que me chamou muito a atenção  na obra da Manuela , pois gostei muito da definição desenvolvida e mostrada pela autora (de uma definição "em extensão" para uma definição analítica) de  
POVOS TRADICIONAIS:
" (...) são grupos que conquistaram ou estão lutando para conquistar (prática e simbolicamente) uma identidade pública conservacionista que inclui algumas das seguintes características: uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas equitativas de organização social, presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados." (CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios.  São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 300).



Fotos: a autora autografando nossos livros. Minha amiga Jocilene Gomes, antrópologa e professora da UEA toda feliz com o livro e palestra. 
Fotos gentilmente tiradas e enviadas por Mariana Ferraz, assessora de comunicação do MUSA.

"Para Liana, advogada!
Com um abraço 
de Manuela. 
8.4.2010."






 

Registros do Curso de Etnoecologia e Etnoastronomia Indígenas no MUSA


Em março de 2010, participamos do "II Mini-curso de Etnoecologia e Etnoastronomia Indígena: um caminho para compreender a biodiversidade"  do MUSA - Museu da Amazônia.http://www.museudaamazonia.org.br/
O curso foi ministrado pelo Prof. Germano B. Afonso, doutor em Astronomia pela Universidade Pierre et Marie Curie/ Paris VI e por Thaisa Nadal, mestre em Gestão Ambiental pela UFSC.


Primeira foto: com as amigas Sheilla Borges Dourado e Lana Elisa;

Segunda foto: com as monitoras indígenas do MUSA, Maysa Valadares (etnia baré) e Julia Marlí (etnia tukano),  são acadêmicas do Curso de Pedagogia Indígena da UEA e em 2009  participaram da Oficina Direito Autorais Indígenas, ministrada pelo nosso amigo Victor Pimenta (CEDAM- Centro de Estudos em Direito Ambiental da Amazônia), no Mestrado em Direito Ambiental da UEA.


 
Foto da turma que participou do curso, por Mariana Ferraz, assessora de comunicação do MUSA.


 
Aproveito para postar esta foto que tirei, inspirada pelo Curso de Etnoastronomia, 
em 28 de março de 2010 (Manaus -AM), 
da janela do meu quarto... 
Por: Liana Amin Lima da Silva.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Resposta à Veja

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA
NOTA DA COMISSÃO DE ASSUNTOS INDÍGENAS
A reportagem divulgada pelo último número da revista Veja, provocativamente intitulada
“Farra da Antropologia oportunista”, acarretou uma ampla e profunda indignação entre os
antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos
indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de
10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas,
quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos
antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.
Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela FUNAI a
antropólogos das ONG’s e pagos em função do número de indígenas e terras “identificadas” (!) são
obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando
subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer outras perícias usuais em
procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em
consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a FUNAI seleciona
antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da
administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados
nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do
sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política
indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um
absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente
subalternizadas e marginalizadas.
Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram
violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas
lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e
causa revolta. Sub-títulos como “os novos canibais”, “macumbeiros de cocar”, “teatrinho na praia”,
“made in Paraguai”, “os carambolas”, explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas
tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes
(possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento
ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada.
Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.
A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da
difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema
superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de
modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos
antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem
afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a
matéria “repugnante”. O outro, que foi presidente da FUNAI por 4 anos, critica duramente a
matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a “uma frase impronunciada” e de
“sentido desvirtuante” de sua própria visão.
A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens
envolvidos são desconhecidos, isto apenas considerando os últimos anos. O antropólogo Stephen
Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população
sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses
depois, uma reportagem intitulada “Os Falsos Índios”, publicada em 29 de março de 2006,
defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.
Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título “Made in Paraguai - A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um sub-título foi repetido na matéria da semana passada - "Made In Paraguay”. O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.
Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada “Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio” (pgs. 104-106). O sub-título diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do “apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.
Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de direito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.
Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo “neocon”. A presença de “reporteres de dossier” é uma outra característica deste tipo de revista. A luz dos comentários deste conceituado jornalista a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada não deixa de ser bastante significativa. Ai aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M’bià, confrontados por uma proposta do mega-investidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, que os qualificam como “paraguaios” (tal como os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).
Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (em disputas concretas com interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).
É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA está em contato com seus assessores no campo jurídico visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.
Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para, através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas
como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão.

João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI